poesia de Conrado Pera
manha manhã
gosto do gosto da sua gostosura
o sabor da brandura que banha seus cenotes
nem o café conseguiu apagar
n’uma manha manhã
tu decifrava minhas negras constelações
enquanto palatava-me até o céu da boca
saciava-me ambas sedes
papilos gustativos regozijavam-se em júbilos de louvores a algum deus gourmet
lá fora papiros acimentados cobertos de hieróglifos gritavam pelas paredes
a pressa da cidade lá fora justificava nosso ritual vespertino do não-acordar
a preguiça é um dom criado pelas deusas
que criaram o mundo em sete dias e se espreguiçam por toda eternidade numa rede na Bahia
foi criada para se ficar assim, na cama, entre beijos e gracejos, pensando safadezas, passando unhas em peles, dentes em carnes
enquanto os meros mortais tentam tê-la em alguma férias nunca vinda
os arranha-céus por um momento viram palmeiras e creio escutar o sibilar de algum pássaro caribenho
devem ser os anjos que invejam nosso gozo numa tarde que arde cinzenta e que mais lembra outono
dentro tudo é primavera
já duvido se essa humidade que sinto na ponta dos dedos provém de um rio que passa embaixo da nossa cama ou dos lençóis freáticos do teu ventre
os poemas de Matilde Campilho vem servidos como sobremesa ainda quente depois do ato de nos banquetear
as buzinas que aqui soam são outras
produzem melodias itamarísticas
como que aperfeiçoando Chico Buarque saio cantando
eu faço samba e amor até de manhã
e tenho muito sono pela tarde