Stéphanie Pereira
1 min readApr 7, 2021

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poesia de Conrado Pera

manha manhã

gosto do gosto da sua gostosura

o sabor da brandura que banha seus cenotes

nem o café conseguiu apagar

n’uma manha manhã

tu decifrava minhas negras constelações

enquanto palatava-me até o céu da boca

saciava-me ambas sedes

papilos gustativos regozijavam-se em júbilos de louvores a algum deus gourmet

lá fora papiros acimentados cobertos de hieróglifos gritavam pelas paredes

a pressa da cidade lá fora justificava nosso ritual vespertino do não-acordar

a preguiça é um dom criado pelas deusas

que criaram o mundo em sete dias e se espreguiçam por toda eternidade numa rede na Bahia

foi criada para se ficar assim, na cama, entre beijos e gracejos, pensando safadezas, passando unhas em peles, dentes em carnes

enquanto os meros mortais tentam tê-la em alguma férias nunca vinda

os arranha-céus por um momento viram palmeiras e creio escutar o sibilar de algum pássaro caribenho

devem ser os anjos que invejam nosso gozo numa tarde que arde cinzenta e que mais lembra outono

dentro tudo é primavera

já duvido se essa humidade que sinto na ponta dos dedos provém de um rio que passa embaixo da nossa cama ou dos lençóis freáticos do teu ventre

os poemas de Matilde Campilho vem servidos como sobremesa ainda quente depois do ato de nos banquetear

as buzinas que aqui soam são outras

produzem melodias itamarísticas

como que aperfeiçoando Chico Buarque saio cantando

eu faço samba e amor até de manhã

e tenho muito sono pela tarde

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